Estudo liga isolamento social a aumento de dor em mulheres e sugere mudanças em remédios
19/10/2025
(Foto: Reprodução) Estudo agora parte para análise em tecido humano
Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Araraquara
Pesquisa realizada na Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Araraquara (SP) destaca como isolamento social está relacionado ao agravamento de dores crônicas em mulheres.
O estudo, concebido durante a pandemia de Covid-19 na Faculdade de Ciências Farmacêuticas, avaliou a maneira que camundongos machos e fêmeas percebem de forma distinta fatores como dor crônica e isolamento social.
A pesquisadora Daniela Baptista de Souza, que orientou o estudo, argumenta que diversos medicamentos para tratamento da dor crônica não são eficientes em mulheres porque, até há alguns anos, tinha-se uma aversão ao uso de fêmeas em pesquisas de neurociência.
Segundo ela, acreditava-se que as variações hormonais poderiam interferir na análise dos resultados.
"Do ponto de vista biológico, já foram vistos, por exemplo, em modelos experimentais, as fêmeas exibirem respostas mais intensas a estímulos dolorosos do que os machos. Por isso é importante sempre se incentivar protocolos experimentais em que você não considere só machos como sujeito", pontua a pesquisadora.
De acordo com a doutoranda Ana Cláudia Braga Dias, criadora da pesquisa, os resultados podem abrir caminho para elaboração de terapias mais eficientes ao público feminino.
Um exemplo seria o tratamento da fibromialgia, síndrome que afeta as mulheres até sete vezes mais do que os homens.
"A gente tem poucos medicamentos para tratamento de dor crônica, e, desses, a grande maioria foi testado unicamente em macho. Considero o estudo importante porque é algo com potencial", ressalta a doutoranda.
A pesquisa também apontou que a concentração de ocitocina, hormônio associado ao bem-estar, diminui em camundongas colocadas em isolamento (leia abaixo).
Entendendo a meteodologia
Pesquisa que associa isolamento social a agravamento de dor em mulheres foi feita na Unesp de Araraquara
Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Araraquara
Em um primeiro momento, o grupo de pesquisadores buscou avaliar os impactos do isolamento entre os camundongos.
Para isso, os animais foram separados em quatro grupos. Nesses, houve aqueles que ficaram ou não em isolamento.
Dentro de cada grupo, certo número de camundongos foi submetido a cirurgia que previa lesão em um nervo; e outra quantidade passou por um procedimento mais simples, sem qualquer tipo de lesão.
Nesse caso, a dor foi avaliada por meio de dois parâmetros: sensorial e emocional. No primeiro, os animais receberam leves estímulos nas patas para que fosse possível mensurar a pressão necessária que ocasionasse reação de desconforto.
No segundo critério, a equipe analisou a expressão facial dos camundongos.
De acordo com Daniela, os resultados confirmaram que os animais operados ficaram mais sensíveis à dor. No entanto, algo chamou a atenção da equipe: o isolamento social aumentou a sensibilidade dos machos e fêmeas que não sofreram nenhuma lesão.
"Nesses testes, houve uma piora das expressões nas fêmeas isoladas, mostrando que esse isolamento social tem um caráter de aprofundar mais esse sofrimento nas fêmeas do que nos machos", conta a orientadora.
A pesquisa observou, ainda, que as fêmeas deixadas sozinhas demoraram mais para se recuperar do procedimento simples do que o previsto inicialmente, sugerindo um outro efeito negativo do isolamento.
Os resultados foram publicados neste mês de setembro pela revista científica European Journal of Pain.
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Bem-estar afetado
Em outra fase, o grupo de pesquisadores constatou a diminuição dos índices de ocitocina em fêmeas isoladas. Como consequência, houve a diminuição do bem-estar delas, com aumento de ansiedade e estresse. O mesmo, contudo, não foi visto nos machos.
"A gente notou que as fêmeas isoladas, e que passaram ou não pela lesão crônica, tiveram diminuição na expressão dos receptores da ocitocina. Para elas, isso parecer ser um fato que influencia na expressão desses receptores, enquanto para os machos, a gente não notou essas diferenças", explica Ana.
A constatação ocorreu após testes nos quais os camundongos tiveram avaliadas características como falta de interesse e estresse durante as atividades.
O estudo também traz contraponto à crença popular de que mulheres seriam mais "tolerantes" à dor.
"O que a gente tenha, talvez, não é especificamente que a mulher suporte mais a dor, mas que ela consiga reconhecer aquele estímulo melhor do que os homens evolutivamente foram formados para fazer. [...] Eu diria que as mulheres estão mais suscetíveis a ter respostas mais exacerbadas à dor quando elas têm uma vida social mais pobre e quando estão em isolamento social", diz Daniela.
Como isso se aplica em humanos
Atualmente, a pesquisa busca avaliar se as dinâmicas constatadas em camundongos também acontecem em humanos.
Os experimentos são realizados pela pesquisadora Daniela Souza e por colaboradores na Universidade do Texas, nos Estados Unidos, por meio da doação de tecidos humanos de pacientes que sofriam de dor crônica.
A expectativa é o resultados desses novos testes sejam publicados nos próximos meses.
"Hoje a gente não está mais na pandemia, mas muitas pessoas ainda ficaram muito reclusas. Acho que é um alerta importante para a gente pensar. [...] E o quanto que isso pode ser diferente entre as mulheres, especialmente", diz Daniela.
O estudo acontece por meio de financiamento obtido pela orientadora através da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) em 2023.
"É importante estudar como funciona esse sistema e também um alvo terapêutico que seja seguro para mulheres e para os homens. A gente considera muito importante estudar as fêmeas, porque, por muito tempo, elas foram negligenciadas", conclui Ana Cláudia.
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